Decisões de financiamento são discutidas dentro de uma área de pesquisa em finanças chamada estrutura de capital, que reúne várias teorias importantes para tentar responder uma pergunta que, a princípio, pode parecer muito simples: Devo usar capital próprio (o dinheiro proveniente do acionista ou dono da empresa) ou capital de terceiros (dívida) para financiar meus investimentos em CAPEX, P&D (pesquisa e desenvolvimento), capital de giro, etc?
Essa é só uma das perguntas importantes sobre decisões de financiamento. Há várias outras perguntas como, por exemplo: Dado que eu decidi usar capital próprio, devo emitir ações ordinárias ou preferenciais? Dado que eu decidi usar dívidas, devo emitir debêntures, tomar empréstimos do BNDES ou tomar empréstimos/financiamentos de outros bancos?
Neste post, porém, vou me dedicar a mostrar como as teorias mais importantes de estrutura de capital respondem àquela primeira pergunta: Usar capital próprio ou capital de terceiros? Tentar responder apenas a essa pergunta já é bem difícil! Então vamos lá!
A princípio, alguém pode achar que escolher entre capital próprio ou dívidas seria irrelevante. Afinal, o importante seria ter o dinheiro para financiar os investimentos da empresa, não importa de onde viessem. Dinheiro é tudo igual e a empresa não pode perder a oportunidade, certo? Não é bem assim. Essa ideia talvez valesse num mundo perfeito, onde uma empresa não precisasse pagar impostos ao governo e não estaria sujeita a falir. Um mundo em que todas as informações fossem as mesmas para todos e que as pessoas, como robôs programados para fazer a mesma coisa em resposta a certas informações, tomassem exatamente as mesmas decisões. Um mundo em que todas as pessoas sejam racionais e éticas. Pois é esse mundo perfeito que Modigiani e Miller (1958), dois ganhadores do Prêmio Nobel em Economia, imaginaram para sua proposição de irrelevância da estrutura de capital. Segundo eles, uma empresa valeria pela qualidade dos seus ativos e não pela forma como ela levanta seu capital. Já ouvi e li pessoas criticando o trabalho deles com o argumento de que suas proposições são irrealistas. Mas acho uma crítica injusta. Explicarei.
Certamente, esse mundo perfeito não existe, certo? Porém, quando começamos a construir uma teoria, especialmente na área de economia e finanças, é comum assumirmos um mundo assim. Isso não quer dizer que os teóricos não se preocupem com a realidade. Pelo contrário, quando um teórico ou teórica desenvolve sua teoria baseada no mundo perfeito, a imperfeições ficam evidentes e isso abre a oportunidade para a construção de outras teorias baseadas em premissas mais próximas da realidade. Modigliani e Miller nos deram essa possibilidade.
Então vamos ao mundo real. No mundo real, as empresas precisam pagar impostos ao governo. Esses impostos são definidos a partir de um percentual sobre o lucro das empresas, complexidades tributárias à parte. O capital de terceiros (dívidas) gera despesas financeiras que, por sua vez, reduzem o lucro tributável e o imposto a pagar. Essa redução do imposto a pagar é um benefício fiscal que incentivaria a empresa a aumentar seu nível de endividamento. Quanto maior o endividamento, maior seria o valor presente dos benefícios fiscais futuros. Por outro lado, o aumento exagerado do endividamento pode aumentar os custos com dificuldades financeiras e o risco de falência de uma empresa. Portanto, seria vantajoso aumentar o endividamento até um determinado ponto, a partir do qual os benefícios fiscais seriam anulados pelos custos de falência. Isso significa que haveria um ponto ótimo de endividamento no qual o valor da empresa seria maximizado. Isso faz sentido no mundo real, não faz? Essa é a teoria do tradeoff de estrutura de capital, que discute o balanceamento da estrutura de capital em função de vantagens e desvantagens da dívida.
Uma outra teoria também defende um ponto ótimo de endividamento, porém baseado nos conflitos de interesse entre acionistas, gestores e credores da empresa (Jensen & Meckling, 1976, são os principais expoentes sobre o assunto). Segundo essa teoria, a dívida pode ter um papel disciplinador, impedindo que o(s) gestores tomem decisões que possam destruir valor econômico para a empresa. Essa é a teoria de agency. Novamente, quanto mais dívidas, melhor, porém até o ponto em que os custos com dificuldades financeiras passam a ser maiores que o benefício daquele papel disciplinador.
Uma terceira teoria muito importante é a teoria do pecking order, ou hierarquia, impulsionada pelos estudos de Myers e Majluf (1984). Essa teoria preconiza que a empresa típica, para financiar seus investimentos, prefere usar primeiramente os fluxos de caixa gerados internamente por suas próprias operações. Em segundo lugar, em caso de insuficiência de caixa, ela recorreria a dívidas e, apenas em último caso, apelaria para um aumento de capital próprio. Esse comportamento seria motivado por um fenômeno chamado assimetria informacional, isto é, os atores envolvidos possuem diferentes informações sobre a empresa.
Para entender melhor esse fenômeno, imagine que você esteja buscando um carro usado para comprar. O antigo dono do carro usado sabe melhor do que você quais os potenciais problemas que o carro pode ter. Com receio desses potenciais problemas, você pede um desconto para comprar o carro, o que o vendedor aceita porque talvez ele queira se livrar logo do problema. Essa é uma narrativa criada pelo Prof. Akerlof (1970) para ilustrar o problema da assimetria informacional, que pode acontecer quando uma empresa vende novas ações para levantar recursos para suas necessidades. Os gestores e acionistas antigos (“vendedor do carro usado”) possuiriam melhores informações sobre a empresa do que o novo acionista (“comprador do carro usado”). Na emissão de novas ações, o novo acionista exigiria um desconto para comprar os títulos, da mesma forma que o comprador do carro usado. Sabendo que isso pode acontecer, a empresa evitaria emitir novas ações e, ao invés disso, preferiria tomar dívidas até que sua capacidade de endividamento se esgotasse.
A quarta teoria que eu gostaria de destacar é a do market timing, que defende a ideia de que a estrutura de capital de uma empresa varia em função das janelas de oportunidade que se abrem para a emissão de novas ações. De acordo com essa teoria, as empresas preferem emitir novas ações quando o mercado está “quente” e os preços das ações estão altos, refletindo o otimismo dos investidores em relação ao valor das ações. De fato, se acompanharmos os jornais diariamente, vamos perceber que a emissão de novas ações é muito mais comum em períodos de bonança. Em períodos turbulentos como os provocados pela pandemia e por guerras, a disposição das empresas em emitir novas ações é muito menor. No Brasil, durante a pandemia, vimos muitas empresas desistindo ou adiando seus planos de IPO (oferta pública inicial) ou follow-on (emissão subsequente de ações).
Todas essas teorias têm um ponto em comum. Todas elas admitem que, no mundo real, as decisões de financiamento também criam valor econômico para a empresa. Não basta a empresa saber investir, ela precisa também saber se financiar. Aliás, muitas empresas podem até ter bons ativos, mas podem quebrar por gerenciarem mal sua estrutura de capital.
Referências
Akerlof, G. A. (1970). The market for “lemons” : Quality uncertainty and the market mechanism. The Quarterly Journal of Economics, 84(3), 488–500.
Jensen, M. C., & Meckling, W. H. (1976). Theory of the firm: Managerial behavior, agency costs and ownership structure. Journal of Financial Economics, 3(4), 305–360.
Modigliani, F., & Miller, M. H. (1958). The cost of capital, corporation finance and the theory of investment. American Economic Review, 48(3), 261–297.
Myers, S. C., & Majluf, N. S. (1984). Corporate financing and investment decisions when firms have information that investors do not have. Journal of Financial Economics, 13(2), 187–221.