Colhendo o que plantamos… Decisões sobre distribuição de lucros fazem parte do tripé que sustenta o processo de criação de valor, que comecei a discutir no meu post “Decisões de investimento” e continuei no post seguinte “Decisões de financiamento”. Com este post, fecho a discussão sobre esse tripé falando sobre o que muitos livros-texto chamam de política de dividendos ou política de payout. Eu, porém, prefiro um termo mais genérico, distribuição de lucros, porque a distribuição de lucros também pode se dar por meio de recompra de ações. Vou, então, falar um pouco sobre esses dois instrumentos.
Políticas de distribuição de lucros criam valor econômico? Sim, podem criar ou destruir valor. Para começar, como uma empresa pode criar (ou pelo menos não destruir) valor pagando dividendos? Ao pagar dividendos, a empresa reduz seu saldo de caixa e evita que ele seja usado em projetos de investimentos que poderiam destruir valor (na terminologia de finanças, tais investimentos geram valor presente líquido, ou VPL, negativo).
Agora o outro lado da moeda: a empresa pode criar valor não pagando dividendos. Com saldo de caixa disponível, a empresa pode realizar investimentos lucrativos em CAPEX, em fusões & aquisições, em pesquisa & desenvolvimento, etc.
Quando saber, então, quando pagar ou não pagar dividendos? Um dos fatores a se considerar é o ciclo de vida das empresas. Quando as empresas estão em fase de crescimento e possuem muitas oportunidades lucrativas para aproveitar, o recomendado é a empresa não pagar dividendos e reter caixa para dar conta de todos os bons investimentos. Porém, se a empresa já é madura e não tem muitas perspectivas de crescimento, o ideal é devolver o dinheiro aos acionistas.
Parece ser uma coisa óbvia, não é? O gestor ou gestora devolver o dinheiro quando não houver mais projetos de VPL positivo para desenvolver. Mas o ser humano é complexo… nem todos os gestores estão dispostos a devolver o dinheiro para o acionista, especialmente quando o gestor não é o próprio acionista ou dono do negócio. Para alguns gestores, distribuir lucros pode representar incompetência e ameaçar seu emprego. Para outro(a)s, devolver o dinheiro diminuiria seu poder e suas recompensas. Afinal, quanto maior a empresa, maiores poderiam ser os salários dos gestores. Assim, o(a) gestor(a) é incentivado a aumentar seu “império” e fazer a empresa crescer, mesmo sem criar valor. Esse é um risco quando a empresa tem muito dinheiro em caixa, já dizia o Professor Jensen (1986).
Quando falamos sobre dividendos, um caso marcante no Brasil é o da Souza Cruz. Talvez seja um dos casos de maior sucesso em termos de distribuição de lucros no país. Até 2015, quando ainda era listada em bolsa, ela tinha fama de excelente pagadora de dividendos. Trabalhando no mercado de tabaco, já maduro (talvez até em declínio), ela gerava muito fluxo de caixa livre, mas não fazia sentido investir demais nesse setor. Por isso, praticamente todo seu lucro era destinado a pagar dividendos.
Como não fazia muito sentido a Souza Cruz continuar listada, ela decidiu fechar seu capital. Para sair da bolsa, a Souza Cruz utilizou a segunda forma de distribuição de lucros, a recompra de ações. Em 2015, a empresa recomprou quase todas as ações que estavam nas mãos de investidores e fechou seu capital.
Entretanto, a recompra de ações não precisa ser necessariamente realizada para fechar o capital de uma empresa. A recompra é muito usada como um complemento ou substituto ao dividendo.
Por exemplo, um estudo do Professor Skinner (2008), da Universidade de Chicago, mostra que praticamente não existem mais empresas listadas em bolsa que só pagam dividendos. A grande maioria distribui seus lucros por meio de dividendos e recompras de ações. Esse estudo também mostrou um fato curioso. Na média, os valores de recompra de ações acompanham mais de perto os lucros das empresas. Ao contrário, os dividendos são bem mais estáveis ao longo do tempo e são pagos mesmo em tempos de crise e de grandes prejuízos. Isso talvez mostre a importância de se manter uma política de dividendos estável, que evitaria excessivas desvalorizações no valor de mercado de empresas famosas por pagar bons dividendos, como a Souza Cruz.
Referências
Jensen, M. C. (1986). Agency costs of free cash flow, corporate finance, and takeovers. The American Economic Review, 76(2), 323–329.
Skinner, D. J. (2008). The evolving relation between earnings, dividends, and stock repurchases. Journal of Financial Economics, 87(3), 582–609.